quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Apresentação


Epicuro fez do jardim de sua casa uma escola, a primeira que se tem notícias, na qual podiam estar todos aqueles que sentissem desejo de aprender. O aprendiz podia chegar e ir-se embora, quando sentisse vontade. O jardim de Epicuro estava sempre repleto de aprendizes ávidos por saber mais. As muitas dificuldades vividas pela escola na atualidade fazem com que o Jardim do Epicuro pareça uma situação utópica e quase impossível de vivenciarmos em nossos dias.  

Escola prá quem te quer


 
Cresci assistindo meu pai às voltas com seus livros de Filosofia e Sociologia. Ensinou-me a escrever usando a mão direita, pois sou canhota, mas de uma maneira digna e prazerosa.
Quando fui para a escola, já alfabetizada, vivia uma dicotomia de experiências – na escola, longas cópias, disciplina, provas e muitas regras a seguir, e em casa, um microscópio que eu explorava com toda sorte de coisas que coubessem nas suas pequenas lâminas: asas de insetos, folhas, pólen, minhocas e outras coisas curiosas para uma criança de sete anos, além de acompanhar meu pai em suas excursões com os alunos à procura de raízes, frutos e tudo mais que compunha suas aulas de ciências em uma escola estadual numa pequena cidade de Minas Gerais.
Os primeiros anos escolares foram intensos em sentimentos antagônicos.
Dessa maneira, crescia meu encantamento pelas atividades docentes do meu pai e a escola, longe disso, era um lugar a que eu deveria ir, mas cujas práticas eram muito distantes do meu mundo de menina que gostava de explorar e conhecer coisas novas.
Passaram-se os anos e ao concluir o ensino médio eu ainda não tinha certeza do que “queria ser”, mas com plena convicção de que aprender e ensinar era um caminho natural a trilhar.
Durante o curso de Pedagogia voltei a me encantar com a possibilidade de poder mudar o mundo por meio da educação, totalmente enfeitiçada com as aulas de Sociologia e da primeira professora que realmente fez a diferença em minhas escolhas. Nasceu ali o desejo de ver nascer uma escola para todos: a escola dos meus sonhos.
Minha primeira sala de aula reforçou todas as expectativas que alimentei ao longo dos anos. Em um mundo urbano, em que as pessoas são organizadas em classes sociais, dos que moram nos bairros nobres ou nas periferias das cidades, eu não havia contado em encontrar uma escola que não se encaixava em nenhuma dessas classes sociais – era uma escola em um bairro muito distante do centro da cidade de Juiz de Fora, que mais se parecia com uma localidade rural.
Vivíamos nesse período a efervescência da escolha de diretores, de propostas democráticas e autônoma para as escolas e pudemos fazer experiências extraordinárias.
As famílias da comunidade viviam de maneira muito simples e suas principais atividades eram compostas de pequenas hortas, criação de frangos e codornas e a mais encantadora de todas – o cultivo de flores – especialmente copos de leite.
Ali estávamos nós com alunos sem muitas perspectivas em relação a escola, exceto o aprendizado de leitura e da escrita, mas com ricas experiências de vida prática.
A escola que sonhávamos pode ser construída com jovens professores que acreditaram que havia espaço para abrirmos novos horizontes para toda aquela gente e colocarmos em prática os desejos docentes que em outros espaços não eram possíveis.
Começamos convidando toda a gente do bairro a participar da escolha de projetos que contribuiriam para melhores condições de vida e aprendizagem. Lembro-me com clareza das primeiras ações que desenvolvemos que iam desde o cultivo de uma horta no interior da escola para reforço da merenda, até o cultivo de plantas medicinais que eram utilizadas por todos nós e espaços de socialização de seus saberes.
Envolvemos toda sorte de profissionais que se dispuseram a dar sua colaboração para que essas atividades pudessem acontecer e que se encantavam com o que viam ali: proteção e despoluição do pequeno córrego que passava ao lado da escola, crianças experimentando novos sabores e incorporando diferentes hábitos alimentares, a escola toda pintada e preservada, as famílias participando ativamente da vida escolar de seus filhos, uma baixíssima taxa de evasão e reprovação, aumento das matrículas nas turmas de Educação de Jovens e Adultos, participação nos concursos de desenhos e redação promovidos pela Secretaria Municipal de Educação e o envolvimento de todos os professores.
Era prazeroso estar na escola. As festas que promovíamos eram sucesso total e as maiores estrelas eram sempre as pessoas da comunidade – cantores locais se apresentando, pratos da culinária produzidos pelas famílias, exposições de flores e de animais, enfim toda sorte de cultura e diversão.
Um evento que me marcou profundamente foi quando um aluno do 5º ano, já retido por três anos consecutivos e considerado pelos antigos professores como incapaz, apresentou um desenvolvimento fora do comum depois de participar dos projetos que desenvolvíamos, entre eles, a criação de um pequeno aquário em nossa sala de aula. Mas nosso aquário não era desses ornamentais não, era um aquário construído com os peixes que as crianças garimpavam nos córregos e ribeirões no entorno de suas casas e da escola. Pesquisamos e aprendemos como cuidar dos tais peixinhos, alimentá-los, classificá-los e esse aluno se tornou o mais entusiasta de todo e isso se refletiu em uma aprovação com louvor ao final do ano e da mesma maneira nos anos subsequentes.
Bom, a vida nos faz trilhar outros caminhos e isso ocorreu comigo também, mas lá se vão vinte e cinco anos e carreguei comigo, ao longo desses anos, que fazer a escola com que sonhamos é, sobretudo acreditar sem limites no outro e abrir com ele portas e janelas de todo tipo de conhecimento, mas com muito prazer e alegria, entregando-se a cada nova experiência.
Já vi lindas bibliotecas sem leitores, pátios silenciosos e salas de aulas entristecidas o que me faz crer a todo momento que a liberdade nos faz descobrir novos horizontes e possibilidades.
O sonho de uma escola feliz é um sonho possível!

Adriana Vaz Efisio Emanuel
 
Docente na Universidade de Uberaba e Analista Educacional na SEE, trabalhou com a Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Superior. Atua como professora na Educação a Distância e formação de professores. Adora cozinhar!




A escola dos meus sonhos


É um lugar de ensino e aprendizagem onde cada um desempenhasse bem sua função, com responsabilidade, dedicação tendo um mesmo objetivo.
Em lugar onde reinasse:

·        * o respeito
·        * a colaboração
·       * o conhecimento
·        * a justiça

Amália Maria Carvalho Mateus Idaló
Professora na Escola Estadual anexa à SUPAM em Uberaba, no Triângulo Mineiro. Trabalhei mais de duas décadas com o ensino de química e ciências para alunos do ensino médio e fundamental. Tem como áreas de interesse aprendizagens de tecnologias, e baixa visão. Adora música!

Um lugar que, no passado, produzia mesmidades




 


Um lugar comum. Assim era a escola no tempo em que César estudava.
César lembra que, quando estudava, o mundo era múltiplo e veloz, mas que alguns lugares se caracterizavam pela sua “perenidade e pela verdade de uma lição de coisas”[1]. Escola, convento, asilo, hospital e quartel, eram destes lugares comuns, que celebravam a característica de perpetuidade e existiam sob-regimes de verdade, autorizando ou não discursos que justificam o domínio de uns sobre os outros.
Mas de todos estes lugares comuns dos homens e das cidades, aquele que marcou a história de César foi a “escola”.
Olhando como os gregos deram significados ao que se entendia por escola, no tempo em que César estudou, é que entendemos um pouco melhor por que a escola necessitava ser um lugar comum e produzir lugares comuns. Aristóteles (384-322 a.C.) dizia que um lugar comum “tinha por função guardar uma certa generalidade, condensando imagens e palavras comumente usadas pelos oradores e comumente sustentadas pela audiência”[2].
Se as imagens e as nomeações são uma das primeiras formas de demarcar um território e de estabelecer fronteiras entre grupos sociais, a escola, no tempo em que César estudou, pôde fazer disto uma ação assimilativa da cultura e adaptativa quanto ao meio (território). César aprendeu que as palavras e coisas que levava com ele serviam como senhas para entrar em grupos ou frequentar determinado lugares.
Assim, culturas de poucos e bastante particulares eram transformadas em senso comum. Cada vez mais, um número maior de pessoas tornava-se feliz por falarem as mesmas coisas, vestirem as mesmas roupas, cantarem as mesmas músicas; quando se encontravam parecia até que um lia os pensamentos do outro. Era muito fácil fazer amizade, César se lembra dos 3.577 amigos que foram fiéis a ele e migraram do Orquite para o Facetruque. Os gestos, os cabelos, as pulseiras que intermediavam grupos de diferentes escolas, de diferentes cidades e até de diferentes países (como o Uélissom que veio da Colômbia e estudava no 8º C) facilitavam a conversa entre eles e, rapidamente, lá estavam eles compartilhando dicas e os melhores sites de onde comprar o mais novo boné do grupo Reistress.
Isto que se fazia na escola (e em muitos outros lugares também) era um importante recurso estratégico de organização de uma “memória artificial”[3], não apenas em seu aspecto figurativo – o brinquedo, o refrão da música, o boné de lado, o hashtag – mas em seu aspecto operativo, ligado às maneiras de conceber o mundo e o conhecimento.
Assim, César e a maioria dos seus amigos (lembremos de seus 3.577 amigos) e dos amigos dos seus amigos também mantinham outras semelhanças. Sabiam as mesmas coisas sobre o Tsunami, o Obama e a Amazônia, contavam as mesmas histórias sobre os negros e os governos, sabiam as mesmas características da Tundra e da Taiga, davam as mesmas explicações sobre a existência dos sem terra, do aquecimento global e da fome na África.
Para isso, César, seus amigos e todos os alunos de todas as escolas do Brasil participavam da mesma corrida, seguiam um percurso, cuja pista, obstáculos e mapa foram cuidadosamente desenhados para serem seguidos. Assim, um dos recursos estratégicos que garantiam que todos tivessem acesso aos mesmos saberes era o estabelecimento deste determinado percurso (curriculum) do qual todos tinham de participar, um lugar onde todos os homens deviam frequentar progressivamente, com rituais comuns, horários e lições.
Desde o “Diálogo da conversão do gentio”, escrito pelo Padre Manuel da Nóbrega, na Bahia em 1557, são procuradas semelhanças e dessemelhanças entre os povos colonizadores e os que precisavam ser colonizados[4]. A dessemelhança era assunto de reflexão, mas para que fosse suplantada, e os esforços iam desde “harmonizar” as vestimentas, cortes de cabelos, crenças às concepções sobre si e sobre o velho mundo que os conduzia à civilidade.
Assim, na escola foi se criando uma sociedade tida como nova, moderna, “harmônica” e de memória artificial, alcançando seus ápices na época em que César era aluno.
Mas César se lembra dos colegas Serginho e Fernanda e da professora de geografia Rosalva, que eram diferentes de todos. César não sabia ao certo se eles não se saiam bem nas senhas para entrar nos grupos ou se nenhum dos grupos que existia na escola lhes interessava. Mas uma coisa era visível, eles estavam entre as principais preocupações da escola. O que fazer com as dessemelhanças?
Ao mesmo tempo em que um lugar comum ensina saberes iguais e produz mesmidades, ele também funda saberes sobre o outro que é diferente, por não participar ou não se adequar a nenhum dos modelos previstos. Funda-se, então, uma nova categoria na classificação, para que eles possam ser considerados dentro de certa normalidade e logo se criam regras para sua inclusão, e assim resolve-se (no âmbito dos saberes) o problema daquela diferença, ou, por outro lado, fundam-se nomeações que, mais do que excluir, deprecia o diferente. Bárbaro, selvagem, atrasado, subdesenvolvido, alienado, menos civilizado, feio, ignorante, culturalmente inferior – são saberes que deflagram os sentidos particulares de existência, portanto deflagram a própria existência de uma pessoa.
César e seus amigos cresceram. Os saberes que antes serviam somente para passar nas etapas do percurso (curriculum), para que sua escola e seus professores figurassem num índice e para que ele figurasse em outro que dava acesso à universidade, agora se constituíam em práticas. E César percebeu que, um a um, excluiu ou foi excluído pelos seus 3.577 amigos, não do Facetruque, mas da sua rede social; os refrãos das músicas e os hashtags não bastavam mais para mantê-los “irmãos”. Aquilo que antes eles sabiam, agora eles sentiam. O que antes só ganhava o nome de atrasado, agora recebia preconceito.
Esse lugar, no sonho de César, existiu num passado distante. Em seus sonhos, poucos resquícios deste lugar podem ser encontrados nos dias de hoje.



[1]                      Parafraseando Foucault (2006, p. 255), em “Isso não é um cachimbo”, ao descrever “o lugar da imagem” do cachimbo colocada por Magritte. FOUCAULT, Michel. Isto não é um cachimbo. In: FOUCAULT, Michel. Estética: Literatura e Pintura, Música e Cinema. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. 247-263.
[2]              Aristóteles citado por Ana Smolka (2006, p. 100). SMOLKA, Ana Luiza Bustamante. Experiência e discurso como lugares de memória: a escola e a produção de lugares comuns. Pro-Posições, v. 17, n. 2 (50), Campinas, 2006. p. 100.
[3]              SMOLKA, Ana Luiza Bustamante. Experiência e discurso como lugares de memória: a escola e a produção de lugares comuns. Pro-Posições, v. 17, n. 2 (50), Campinas, 2006. p. 100.
[4]              CUNHA, Manuela Carneiro da. Imagens de índios do Brasil: o século XVI. Estudos Avançados. v.4, n.10. São Paulo, 1990. p. 103.

 

Amanda Regina Gonçalves
Professora do curso de Licenciatura em Geografia na Universidade Federal do Triângulo Mineiro. Mestre em Educação e Doutora em Geografia. Atua nos temas de cartografia escolar, formação de professores, currículos.



A Nova Escola – Sonhos e Realidade





Assistimos a um cenário em que o professor encontra-se em uma crise identitária. O imaginário em que ele se apresenta como detentor do saber desaparece. Na sociedade hodierna, verificamos que professor e alunos são sujeitos ativos na construção do saber. Se no passado o distanciamento entre as duas entidades era grande, hoje, ainda que a interação professor-aluno seja assimétrica, observa-se que a voz deste último emerge no seio escolar, estreitando esse distanciamento.
O que aqui chamo de “crise identitária” pode ser exemplificado pela frustração da classe docente quando se vê “desarmada” perante a indisciplina na sala de aula. O professor que se vê como detentor do saber e faz o “apagamento” do aluno enquanto sujeito discursivo olvida-se de sua função formadora de sujeitos pensantes e questionadores, ativos no meio social. Sem “armas”, o professor vem valendo-se de avaliações de caráter punitivo.
Quando tenho em mãos o livro didático, com as diretrizes estabelecidas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais, que vislumbra o diálogo com os outros saberes, penso em uma aula completamente contrária àquela marcada por uma visão tradicionalista. Sempre me pergunto: “Estou utilizando o texto literário como pretexto para ensinar gramática?”, o que é abominável nos dias de hoje. Quero que meus alunos sejam sujeitos partícipes do binômio ensino-aprendizagem.
A título de exemplificação, trabalhei o conto “A Cartomante”, de Machado de Assis em turmas de segundo ano do Ensino Médio. Com isso, visava não apenas inserir elementos da narrativa ou aspectos estilísticos do referido autor, ou ainda elementos do Realismo Brasileiro, mas, sobretudo, aguçar a criticidade de meus alunos. Em um segundo momento pretende traçar um paralelo entre o realismo machadiano e a pós-modernidade. A leitura de Machado me parece tão atual para falarmos em uma “pós-modernidade”, em fragmentação do “eu-sujeito” e, consequentemente em sua crise identitária. Após a leitura da obra, vamos assistir ao filme “A Cartomante”, e verificar como essa narrativa foi transposta, no cinema, para os tempos atuais. Não se trata de uma versão fiel à obra do fundador da Academia Brasileira de Letras, embora a intertextualidade seja marcante: Rita (Deborah Secco) se apaixona perdidamente por Camilo (Luigi Barricelli), mas há um problema: ela está noiva de Vilela (Ilya São Paulo), o melhor amigo de Camilo. Em dúvida sobre o futuro, Rita decide consultar uma cartomante, porém, o que as cartas lhe revelam indicam um caminho diferente do que diz sua psicóloga, Dra. Antônia (Sílvia Pfeiffer).
Desdobramo-nos para tornar nossas aulas atrativas, por meio de dinâmicas e outras atividades nas quais o aluno possa revelar suas habilidades diversas. Contudo, o mundo exterior à escola parece ser mais atrativo. A Internet, ferramenta criadora de relações virtuais, ainda permite que o aluno encontre sínteses de obras literárias, e até mesmo, análises de tais obras. Recordo-me de que, quando aluno do Curso de Letras da Universidade Federal de Uberlândia, enquanto alguns liam a obra na íntegra, outros estavam munidos de um roteiro extraído do meio eletrônico. Quando íamos ser avaliados, ficava impressionado – as questões da avaliação podiam ser respondidas com o simples roteiro extraído da Internet.
Cumpre reavaliarmos nossa prática docente. Há, ainda, muitos professores presos ao passado, ensinando, por exemplo, orações coordenadas e subordinadas e, aposteriori, exigindo em suas provas a nomenclatura de tais orações. Deveríamos priorizar, em nosso ensino, o efeito semântico obtido pelo emprego de tais orações.
O que me faz feliz na prática pedagógica é o dialogismo propiciado pelo livro didático com o qual estou trabalhando. Lá estão inseridos problemas de matemática, questões científicas, dentre outras, proporcionando ao professor de Língua Portuguesa o diálogo com as demais disciplinas. E essa é a tendência atual de ensino.
E, afinal, como seria a escola ideal?
Falar em escola ideal é falar em perfeição. Falemos, então, em uma escola plausível aos moldes do século XXI.
É possível uma escola combater a evasão de alunos. O professor pode contribuir para com isso por meio de aulas dinâmicas, estabelecendo uma relação saudável com aqueles. Minha experiência tem revelado que, por meio do estreitamento da relação aluno-professor, muito pode ser conseguido. A equipe administrativa também é responsável pelo combate à evasão. Devemos ter muito cuidado com nossas falas. Estas têm o poder de cativar, mas também o de ferir. A escola do século XXI não é aquela que “empurra” conteúdos e sim aquela que atende aos reais interesses do indivíduo. Há um programa a ser cumprido, há diversos mecanismos para alcançarmos nossos objetivos de maneira prazerosa tanto para o aluno quanto para o professor. A escola deve respeitar as diferenças, afinal, não somos formas geométricas. O corpo discente deve ter voz: o silêncio da sala de aula nem sempre corresponde ao aprendizado. Devemos formar alunos críticos. Não estamos produzindo máquinas em série. A escola deve constituir-se como espaço de diálogo, portanto, não pode ignorar pais e a comunidade.
É necessário acabar com a compartimentação do que ensinamos. Em sua formação, o aluno perceberá que tudo o que faz é intermediado pela linguagem. E a linguagem a que me refiro não está inserida apenas no ensino da Língua Materna pelo professor de Língua Portuguesa, mas no conjunto de disciplinas da grade escolar. Destarte, cabe uma reflexão entre os educadores – não estamos simplesmente preparando alunos para ocupar uma cadeira na universidade, mas, sobretudo preparando-os para as dificuldades que enfrentarão no seio social. A prática docente decente deve, em suma, nortear-se por uma formação humanística.
Faz-se mister quebrar o paradigma de que quem estuda na rede particular de ensino tem mais chances de abarcar a vida acadêmica. Devemos exigir de nossos governantes políticas que valorizem a figura do professor. Afinal, a educação é uma das garantias fundamentais preconizadas pela Constituição Federal.  

 

Marcelo Almeida 
Graduado em Letras (Português-Inglês) pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e pós graduado em Linguística – Análise do discurso na mesma instituição. Professor de Língua Inglesa em escolas de idiomas, professor efetivo de Língua Portuguesa na Escola Estadual Paulo José Derenusson.


Escola sob medida e Educação para o Caos






Olhe a sua volta, vê alguém exatamente como você? Como é possível supor que sejamos tantos e tão diferentes e que uma única escola dê conta de toda diversidade? Considerando a pluralidade de feitios, é impossível haver uma escola dos sonhos única que pudesse atender a demanda de todos ao mesmo tempo. Acho que o melhor seria recuperarmos a ideia do psicólogo Claparéde, da Escola Sob Medida. Assim, cada pessoa com seu feitio teria uma escola que a acolhesse em suas habilidades, gostos e limitações. A ideia seria pensar muitos tipos diferentes de escola, para os muitos tipos diferentes de pessoas, e até mesmo a ausência delas, para aqueles que não se relacionam bem com as escolas. Nesse caso, estas pessoas poderiam ser educadas em casa ou em outras situações educativas, como acontece com as crianças que vivem e trabalham em circos, as ciganas, as refugiadas da guerra e da fome, as que navegam com os pais pelos mares do mundo!
Para aquelas escolas que existiriam como escola, penso que alguns itens deveriam estar presentes obrigatoriamente. Uma casa na árvore seria indispensável, uma espécie de torre de observação, ou quem sabe um mirante. Os alunos passariam ali horas estudando, observando os pássaros, gravando-os.... Cada escola deveria ter uma piscina olímpica, auditório com coxia e cortinas, tela para projeção de cinema ao ar livre, relógio de sol, pelo menos uma fonte luminosa pequenina, horta e canteiros (caso fosse inviável um jardim). Acho que as escolas deveriam ter também animais de estimação que fossem mantidos, cuidados e acarinhados por todos. Seria interessante ver uma aula ser repentinamente interrompida pela indiferença elegante de um gato, entrando por uma porta e saindo pela janela. Poucas situações configuram-se mais como lição de humano que a convivência com animais.
Nenhuma escola deveria preferir o prático ao belo. Beleza não pode ser considerada luxo, é algo que alimenta o espírito e tempera os desejos. Por isso, as escolas presenciais deveriam ser bonitas e acolhedoras, com inúmeros convites à contemplação: painéis, quadros, mosaicos, janelas amplas. Escolas amadas são escolas que a comunidade preserva e cuida. Além das salas de aula, a escola deve ter muitos espaços que convidem os alunos “a ficar”, com cadeiras e poltronas confortáveis, mesas ao ar livre. Quando um lugar tem cadeiras confortáveis é porque deseja que as pessoas fiquem por ali.
Ninguém seria obrigado a nada nestas versões da escola dos meus sonhos. Os alunos poderiam entrar e sair quando desejassem, bastando comunicar aos professores. Ninguém seria reprovado por faltas. Afinal, as aulas precisam ser encontros agradáveis para que os alunos queiram estar lá, sem que seja preciso controlar a presença deles. Não haveria deveres para casa. As tarefas deveriam ser realizadas todas na escola.
Talvez, se houvessem tantas escolas diferenciadas, fosse preciso existir também professores com diferentes performances (ou será que já não é assim??). Professores mais tradicionais, professores que gostariam de trabalhar com as saídas de campo, professores que prefeririam trabalhar com o uso de tecnologias, professores que gostariam de trabalhar em grupo com outros professores, professores que preferem estar só em suas aulas, professores que gostem de tudo um pouco. Afinal, é preciso respeitar os feitios dos professores também, deixá-los confortáveis e confiantes em suas aulas.
Independente dos conteúdos aprendidos, a maior aprendizagem pretendida por qualquer destas escolas dos meus sonhos seria a metacognição. É impossível educarmos quem quer que seja sem torná-lo capaz de fazer a gestão da sua própria aprendizagem. Os alunos seriam incentivados a identificar pontos fortes e pontos fortes nos processos cognitivos e a avaliar permanentemente se estão a aprender ou não.
Outra aprendizagem que estas escolas devem ter como meta, é uma espécie de Educação para o Caos. Nossos alunos precisam saber transitar tanto pela ordem quanto pela desordem. O desconcerto que a multiplicidade causa em muitos de nós, é porque só fomos educados para a ordem e qualquer desordem, mesmo que temporária, nos paralisa. Por isso é tão importante que os alunos vivenciem o caos e os muitos caminhos nele existentes, aprendendo a escolher e a justificar suas escolhas.
O tempo, nestas escolas dos meus sonhos, deveria ser reinventado. Os alunos seriam orientados a respeitar os ritmos biológicos. Aqueles que precisassem tirar um cochilo depois do almoço teriam sua rede à sua espera. O mesmo se aplicaria aos dorminhocos de fim de tarde (como acontece comigo!).  Os primeiros horários da manhã, quando o frescor matutino dá a impressão de um friozinho, só seriam utilizados por aqueles que se sentissem absolutamente à vontade com o acordar e trabalhar tão cedo. Bocejou? Volte para a casa e durma mais um pouco!
Nestas escolas dos meus sonhos, o professor é a figura mais importante (sem essa de que as escolas só existem porque existem alunos... estes chegam e se vão... os professores ficam!). O professor é o coração de uma escola, se ele não pulsa a escola fenece. Ele precisa ter olhos brilhantes e fala apaixonada: seja por um filme que viu no cinema, um poeta, ou mesmo uma imagem. Sobretudo, o professor precisa estar feliz.


 


Ana Paula Bossler
Professora na Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) em Uberaba, no Triângulo Mineiro. Trabalhou por uma década com o ensino de ciências para deficientes visuais. Tem como áreas de interesse aprendizagens no rádio, televisão e cinema. Adora costurar! 



A cerimônia do ensino






Na escola dos meus sonhos o estudo não seria somente o alimento da mente e da alma, o que já pode ser considerado um sonho, mas seria também como alimentos que consumimos com água na boca.                    

Na direção desta escola os projetos seriam planejados como se para uma maravilhosa festa de casamento, onde se pensa em cada mínimo detalhe com muito amor e carinho; e se escolhe todo o cardápio, da entrada à sobremesa, querendo agradar a cada convidado presente.  

E é claro que em um casamento não temos somente um jantar muito caprichado, e sim todo um “entorno” extremamente planejado. Então na minha escola além de um cardápio caprichado haveria “complementos” muito empolgantes. 

              Na sala dos professores a empolgação, para compor o cardápio e servi-lo, seria maravilhosa. A matemática logo de cara escolheria fazer parte das entradas, e é lógico que argumentaria a escolha utilizando uma lógica: “a matemática é a base de tudo, está incluída em todos os conteúdos, tudo é matemática”.  

              A matemática pensaria nas maneiras fantásticas de trabalhar os números em suas bandejas que seriam redondas, triangulares, quadradas, hexagonais..., e estariam cheias de canapés, quiches, tortinhas, empadinhas, tortilhas, mini crepes, todos com aromas fantásticos, que fariam o convidado, ou melhor, o aluno flutuar ou ainda elevar a 3ª ou 4ª potência até a bandeja, mas tudo servido na medida certa, para não atrapalhar o restante do jantar.

            A língua portuguesa ficaria com o cerimonial, deixando suas regras claras através da etiqueta, do por favor, e do muito obrigado que podem (e devem) ser utilizados sem restrições, a todo tempo e em qualquer lugar. O sabor de elaborar deliciosas frases e compreender palavras fascinantes pode ser comparado a um manjar dos deuses e todos se deliciariam.  

              A história planejaria estar presente ao longo de todo o tempo, relatando todos os acontecimentos e auxiliando na percepção dos sabores, das descobertas, e também dos dissabores, dos momentos doces e dos amargos que poderiam surgir, portanto ficaria com as bebidas.

             A física se preocuparia com o movimento (uniforme, retilíneo, circular...) de todos, para que dois corpos não pretendessem ocupar o mesmo lugar no espaço vindo a se chocar, o que poderia provocar uma reação já que toda a ação leva a uma reação. E para que nada tivesse um sentido negativo e estragasse todo o magnetismo do momento manteria sua ótica sempre no foco.   

              A geografia viria com os pratos típicos de cada país, uma viagem gastronômica maravilhosa, o ensino teria sabores e temperos diversificados como nossas etnias, temperaturas variando entre lavas de vulcões e pontas de icebergs, cores como as dos trópicos, das savanas, do cerrado, das tundras...

            A química escolheria a sobremesa, e com que nobreza faria a união dos elementos, em reações de síntese surgiriam algumas das guloseimas, já outras seriam através das diferentes condições de temperatura e pressão; mas todas surpreenderiam pelos seus resultados com formação ou quebra de moléculas e todos se deliciariam com toda essa explosão de conhecimento.  

               A biologia provocaria um espetáculo à parte. Com um olhar curioso para todas as situações faria com que os convidados levantassem questionamentos do tipo: “porque fiquei com água na boca antes mesmo de me servir?”, “o que acontece com o alimento dentro do meu corpo?”, “as pessoas estão se preocupando com sustentabilidade?”, “o que posso fazer para melhorar a minha relação com o planeta?”. Entre um prato e outro realizaria “visitas de campo” ao redor da festa, veria quanta vida existe no tronco de uma árvore ou em meio a um gramado; quanta organização em um formigueiro, e quanta beleza e perfume no canteiro das flores.                                                               

É claro que para realizar toda esta festa de aprendizagem muita ajuda se faz necessária. Não realizamos todas as refeições na escola, portanto na escola dos meus sonhos os pais se preocupariam com a educação dos seus filhos, e seriam parceiros da escola, e ajudariam a despertar em seus filhos o gosto por chocolate, que é bem fácil e por jiló, não tão fácil. E para que os alunos tivessem um prato bem diversificado e colorido na cerimônia do ensino que planejei, a escola dos meus sonhos necessitaria de recursos financeiros e um olhar mais açucarado, doce e belo dos governantes; vislumbrando a capacidade e a garra do seu povo que mesmo com tão pouco, diria que com o arroz e feijão, não desiste dos seus sonhos e lutam por EDUCAÇÃO.





Ana Paula Felipe Jordão
Graduanda em Ciências Biológicas na Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). Trabalhou durante 20 anos com chocolate e arte. Esposa e mãe apaixonada.