quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Escola prá quem te quer


 
Cresci assistindo meu pai às voltas com seus livros de Filosofia e Sociologia. Ensinou-me a escrever usando a mão direita, pois sou canhota, mas de uma maneira digna e prazerosa.
Quando fui para a escola, já alfabetizada, vivia uma dicotomia de experiências – na escola, longas cópias, disciplina, provas e muitas regras a seguir, e em casa, um microscópio que eu explorava com toda sorte de coisas que coubessem nas suas pequenas lâminas: asas de insetos, folhas, pólen, minhocas e outras coisas curiosas para uma criança de sete anos, além de acompanhar meu pai em suas excursões com os alunos à procura de raízes, frutos e tudo mais que compunha suas aulas de ciências em uma escola estadual numa pequena cidade de Minas Gerais.
Os primeiros anos escolares foram intensos em sentimentos antagônicos.
Dessa maneira, crescia meu encantamento pelas atividades docentes do meu pai e a escola, longe disso, era um lugar a que eu deveria ir, mas cujas práticas eram muito distantes do meu mundo de menina que gostava de explorar e conhecer coisas novas.
Passaram-se os anos e ao concluir o ensino médio eu ainda não tinha certeza do que “queria ser”, mas com plena convicção de que aprender e ensinar era um caminho natural a trilhar.
Durante o curso de Pedagogia voltei a me encantar com a possibilidade de poder mudar o mundo por meio da educação, totalmente enfeitiçada com as aulas de Sociologia e da primeira professora que realmente fez a diferença em minhas escolhas. Nasceu ali o desejo de ver nascer uma escola para todos: a escola dos meus sonhos.
Minha primeira sala de aula reforçou todas as expectativas que alimentei ao longo dos anos. Em um mundo urbano, em que as pessoas são organizadas em classes sociais, dos que moram nos bairros nobres ou nas periferias das cidades, eu não havia contado em encontrar uma escola que não se encaixava em nenhuma dessas classes sociais – era uma escola em um bairro muito distante do centro da cidade de Juiz de Fora, que mais se parecia com uma localidade rural.
Vivíamos nesse período a efervescência da escolha de diretores, de propostas democráticas e autônoma para as escolas e pudemos fazer experiências extraordinárias.
As famílias da comunidade viviam de maneira muito simples e suas principais atividades eram compostas de pequenas hortas, criação de frangos e codornas e a mais encantadora de todas – o cultivo de flores – especialmente copos de leite.
Ali estávamos nós com alunos sem muitas perspectivas em relação a escola, exceto o aprendizado de leitura e da escrita, mas com ricas experiências de vida prática.
A escola que sonhávamos pode ser construída com jovens professores que acreditaram que havia espaço para abrirmos novos horizontes para toda aquela gente e colocarmos em prática os desejos docentes que em outros espaços não eram possíveis.
Começamos convidando toda a gente do bairro a participar da escolha de projetos que contribuiriam para melhores condições de vida e aprendizagem. Lembro-me com clareza das primeiras ações que desenvolvemos que iam desde o cultivo de uma horta no interior da escola para reforço da merenda, até o cultivo de plantas medicinais que eram utilizadas por todos nós e espaços de socialização de seus saberes.
Envolvemos toda sorte de profissionais que se dispuseram a dar sua colaboração para que essas atividades pudessem acontecer e que se encantavam com o que viam ali: proteção e despoluição do pequeno córrego que passava ao lado da escola, crianças experimentando novos sabores e incorporando diferentes hábitos alimentares, a escola toda pintada e preservada, as famílias participando ativamente da vida escolar de seus filhos, uma baixíssima taxa de evasão e reprovação, aumento das matrículas nas turmas de Educação de Jovens e Adultos, participação nos concursos de desenhos e redação promovidos pela Secretaria Municipal de Educação e o envolvimento de todos os professores.
Era prazeroso estar na escola. As festas que promovíamos eram sucesso total e as maiores estrelas eram sempre as pessoas da comunidade – cantores locais se apresentando, pratos da culinária produzidos pelas famílias, exposições de flores e de animais, enfim toda sorte de cultura e diversão.
Um evento que me marcou profundamente foi quando um aluno do 5º ano, já retido por três anos consecutivos e considerado pelos antigos professores como incapaz, apresentou um desenvolvimento fora do comum depois de participar dos projetos que desenvolvíamos, entre eles, a criação de um pequeno aquário em nossa sala de aula. Mas nosso aquário não era desses ornamentais não, era um aquário construído com os peixes que as crianças garimpavam nos córregos e ribeirões no entorno de suas casas e da escola. Pesquisamos e aprendemos como cuidar dos tais peixinhos, alimentá-los, classificá-los e esse aluno se tornou o mais entusiasta de todo e isso se refletiu em uma aprovação com louvor ao final do ano e da mesma maneira nos anos subsequentes.
Bom, a vida nos faz trilhar outros caminhos e isso ocorreu comigo também, mas lá se vão vinte e cinco anos e carreguei comigo, ao longo desses anos, que fazer a escola com que sonhamos é, sobretudo acreditar sem limites no outro e abrir com ele portas e janelas de todo tipo de conhecimento, mas com muito prazer e alegria, entregando-se a cada nova experiência.
Já vi lindas bibliotecas sem leitores, pátios silenciosos e salas de aulas entristecidas o que me faz crer a todo momento que a liberdade nos faz descobrir novos horizontes e possibilidades.
O sonho de uma escola feliz é um sonho possível!

Adriana Vaz Efisio Emanuel
 
Docente na Universidade de Uberaba e Analista Educacional na SEE, trabalhou com a Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Superior. Atua como professora na Educação a Distância e formação de professores. Adora cozinhar!




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